Resumo: Esta mesa tem o propósito de difundir e debater os resultados de um projeto de nosso grupo de pesquisa, cujos objetivos foram: (i) evidenciar a existência de uma simbiose entre capital financeiro e vigilância e (ii) explicitar sua relação com o antagonismo entre dependência e democracia no Brasil. Essa abordagem se desenvolve em meio à discussão sobre o capitalismo de vigilância, neoliberalismo e fascismo. Trata-se aqui de perceber, em primeiro lugar, o nexo existente entre o fenômeno central do capitalismo contemporâneo (a financeirização) e a vigilância que é, por definição, antidemocrática.
Partimos da premissa de que, diante da história recente, tornou-se imperativa a necessidade de resgatar a questão da democracia, de forma explícita e contundente, no debate sobre o desenvolvimento capitalista brasileiro. É preciso expor as implicações deletérias das finanças contemporâneas sobre os direitos humanos e explicitar as configurações antidemocráticas próprias do capitalismo de vigilância, como as novas assimetrias de direitos de privacidade e as obscuras intervenções nos comportamentos dos indivíduos, atingindo frontalmente dois pilares fundamentais da democracia, quais sejam: a privacidade e a capacidade de autodeterminação coletiva e individual.
A lógica da financeirização está associada (i) a um grau mais elevado de subsunção do trabalhador ao capital e (ii) ao acirramento da luta de classes. Ambas estão entrelaçadas, mas não se confundem. O primeiro ponto diz respeito a uma dinâmica situada no âmbito operacional da busca pela obtenção de rendas que, orientada pelo imperativo da acumulação fictícia, precisa lidar com um alto grau de volatilidade das expectativas de rendimentos futuros. Sob a perspectiva do capital individual, a “solução” passa pela construção de vantagens informacionais não apenas tendo acesso privilegiado às informações relevantes, mas, sobretudo, produzindo essas informações, na medida em que tende a automatizar o próprio comportamento dos indivíduos (principalmente, trabalhadores e consumidores). Isso envolve o aperfeiçoamento de mecanismos antidemocráticos de subsunção que avança sobre as próprias subjetividades. Trata-se de uma primeira força motriz do capitalismo de vigilância advinda da financeirização.
Enquanto o primeiro ponto diz respeito ao âmbito operacional da acumulação rentista, o segundo trata dos seus desdobramentos no campo mais propriamente político, ou seja, diz respeito às consequências da financeirização sobre o aumento da instabilidade financeira sistêmica e das desigualdades, criando assim as bases econômicas propícias para a instabilidade social e política, contra as quais mobilizam-se forças neoliberais de contrainsurgência. Eis aqui a segunda força motriz do capitalismo de vigilância, produzida, desta vez de forma indireta, pela financeirização, e que se expressa na forte atuação do Estado, mas não se restringe a ele.
Capitalismo de vigilância;neoliberalismo;crise