Resumo: A apresentação se trata de um conjunto de relatos de experiências de estudantes de Psicologia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública num estágio básico desenvolvido em uma unidade de atenção primária a saúde, o Complexo Comunitário Vida Plena, localizada no bairro de Pau da Lima em Salvador-Bahia. A experiência é vivida durante 10 semanas com carga horária total de 120 horas em que os estudantes realizam práticas pré-profissionalizantes acompanhados de uma docente da Instituição. Neste sentido, a apresentação será realizada por 05 estudantes e a docente. No primeiro momento, a docente irá explicar o contexto do estágio básico, também chamado, Internato em Psicologia, para que os presentes compreendam do que se trata as experiências, em seguida, os estudantes irão relatar suas vivências com os títulos e resumos abaixo.
Experiência 01 – Entre becos e vielas: Atuação da psicologia em domicílios da comunidade do Pau da Lima. Resumo: Ao tempo que por vezes é fácil relatarmos uma experiência positiva em relação as vivências do nosso existir, por vezes também nos sentimos desafiados em expressar o sentimento gratificante e enriquecedor que nos foi atravessado somente nas poucas letras do alfabeto e finitas palavras do dicionário. Aqui estou eu, buscando uma forma resumida de comentar sobre o internato de atenção primária à saúde que tive o prazer de não apenas presenciar, mas de viver, cuidar, escutar e acolher essas experiências. Permito-me usar a palavra “experiência” em seu plural gramático, pois plural foi aquilo que nos atravessou. Durante o internato em atenção primária à saúde foram realizados visitas domiciliares com foco em pacientes com transtornos mentais e seus familiares, nos quais nos permitiu caminhar pelos becos e vielas, entrar nas casas e casebres e prestar o acolhimento psicológico visando a ética do cuidado para com o Outro, ouvir as histórias de vida(s) daqueles que desde seus primeiros suspiros nesse mundo, foram marginalizados pela política neoliberal e esquecidos muitas vezes pelo próprio Estado. Andar por onde andam, ouvir, acolher e cuidar, destas vidas esquecidas é algo que fez a todos envolvidos no presente trabalho, refletir sobre a forma de atuar como psicólogo, como profissional da saúde e primordialmente como pessoa!
Experiência 02 – Psicologia do cotidiano: o internato como possibilidade de promoção em saúde nos territórios. Resumo: O Internato do curso de Psicologia da Bahiana promove em seu currículo, a partir do sétimo semestre, o desenvolvimento articulado de competências conceituais, procedimentais e atitudinais por meio de objetivos práticas com foco em uma formação baseada na promoção da saúde coletiva como marco integrador da saúde pública. Dessa forma, para mim, no contexto de atenção primária à saúde, tal modalidade de ensino-aprendizagem possibilita a experiência do fazer clínico em promoção e prevenção em saúde integrado às vivências cotidianas daqueles que habitam um território. Segundo o dicionário Oxford (2022), cotidiano é um adjetivo que expressa: o que acontece diariamente; que é comum a todos os dias; Então, para entendermos a complexidade dos vários determinantes biopsicossociais e espirituais em saúde, é preciso ir até aonde as pessoas habitam e vivenciam as suas cotidianices. O que propicia a saída dos ambientes ambulatoriais do modelo hospitalocêntrico de saúde com foco em procedimentos e protocolos voltados ao diagnóstico de pacientes e dos quatro muros dos consultórios. Práticas que ainda são elitizadas no Brasil diante de um cenário de um abismo de múltiplas desigualdades sistêmicas que impactam as vivências cotidianas da nossa realidade social.
Portanto, o meu relato de experiência circunscrito ao contexto de uma vivência grupal, seja nos atendimentos psicológicos ou as visitas domiciliares no bairro de Pau da Lima em Salvador reforçam que a nossa práxis, enquanto forma de ser, estar e existir no mundo, também precisam chegar e ocupar aos espaços em que as pessoas habitam e vivenciam as suas cotidianidades, o território com suas próprias dinâmicas sociais, comunitárias, grupais e familiares, para que juntos aqueles que mais são capazes para falar das suas dinâmicas de saúde, sejam melhor escutados e que as suas relações e dinâmicas sociais próprias sejam melhor entendidas. E nós, enquanto profissionais de saúde, em uma equipe multiprofissional e integrada, que é a proposta do Sistema Único de Saúde (SUS), possamos juntos colaborar para construir múltiplos dispositivos de cuidado para além da dualidade saúde-doença, mas a partir de caminhos que dialoguem com realidade sócio-cultural das rotinas cotidianos em que os usuários estão inseridos. Ao levar em conta o ambiente dos seus próprios processos para melhor propormos intervenções e serviços e tecnologias leves em saúde capazes de fornecer auxílio na recuperação e reformulação do sujeito social que, muitas vezes, apresenta uma complexidade de vulnerabilidade e/ou vulnerações sócio-econômicas, psicossociais e afetivas. Por fim, a ida dos profissionais aos territórios, permite que possamos ser agentes promotores do direito ao acesso à saúde através da responsabilidade que o Estado brasileiro tem em fornecer dispositivos e tecnologias de cuidado em saúde que assegurem a promoção do preceito da dignidade humana a população brasileira.
Experiência 03 – Um olhar para além do Diagnóstico. Resumo: O curso de psicologia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública promove inúmeras atividades práticas aos discentes como, por exemplo, o internato, o qual possibilita experiência em diferentes níveis de atenção à saúde. No internato de atenção primária, além dos atendimentos que são feitos na unidade, existe a visita domiciliar, facilitando um melhor entendimento das dificuldades dos usuários e da dinâmica familiar. A minha experiência no contexto de atenção primária à saúde me possibilitou inúmeras reflexões sobre a importância de compreendermos os pacientes/usuários para além do diagnóstico, percebendo a história de vida e todos os atravessamentos sociais e políticos que repercutem na subjetividade de cada um. É fundamental que haja uma escuta ativa e cautela com todas as informações que serão colhidas, tendo-se também cuidado com o diagnóstico/hipótese diagnóstica que será levantado, vez que lidamos com a complexidade da vida humana. Ademais, muitas vezes a nossa atuação não será suficiente, demandando do Estado políticas públicas que atendam as pessoas em vulnerabilidade social. Assim, é necessário que tenhamos uma noção sobre os diferentes pilares da vida do usuário como qualidade de vida, família, profissão, relacionamentos etc.
A experiência, como pontua Jorge Larrosa (2002, p.21), requer:
(…)requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza (…)
Destarte, percebo o grau de responsabilidade que nossa futura profissão exige, nos convidando a compreender a complexidade das subjetividades sem pressa, sem superficialidade. Nós somos seres biopsicossociais e devemos ser percebidos para além dos possíveis diagnósticos.
Experiência 04 – Psicologia e Famílias. Resumo: Pensando a atenção básica de saúde como o cuidar do indivíduo de forma integral, me pergunto de que forma as populações seriam atendidas caso não houvessem parcerias entre ONGs, universidades e órgãos públicos. O internato em atenção primária tem proporcionado crescimento pessoal e como futura profissional de psicologia com enorme riqueza. Entender as dinâmicas familiares através das visitas domiciliares traz uma nova perspectiva ao aluno de psicologia de analisar teorias psicológicas juntamente com a prática clínica através dos discursos que são apresentados pelas famílias nas narrativas das suas próprias vidas. Os alunos passam a entender através dos relatos, como as famílias se estruturam e de que forma o comportamento dos membros da família podem ser disfuncionais para o funcionamento de todo o sistema familiar. A experiência do internato na atenção básica é de extrema relevância no curso de psicologia, pois o aluno aprimora saberes que durante o curso vai sendo capacitado para lidar no futuro. E desta forma, pode-se chegar ao último ano do curso com o desenvolvimento de competências relevantes para a formação do psicólogo.
Experiência 05 – Psicologia da Ação. Resumo: No internato rotatório em Atenção Primária meu maior aprendizado sobre a atenção básica foi sobre a desconstrução da ideia socialmente hegemônica de que a saúde se trata da cura de doenças. Cuidado, para além de oferecer suporte á questões estabelecidas, atua principalmente na prevenção de danos.
No cuidado multidisciplinar o contato entre diferentes profissionais instrumentalizados é potente para articulação de melhor tratamento e estratégias de prevenção, respeitando as especificidades biopsicossociais do paciente e da sua família. Em Saúde Mental, compreendo que o artifício de poder encaminhar demandas biológicas com mais facilidade é uma grande possibilidade de promoção de bem-estar psíquico, pois a não assistência é capaz de gerar grave sofrimento emocional. Assim como profissionais de psicologia podem contribuir para que os outros atendimentos e a estrutura das UBS sejam mais humanizados.
Durante os atendimentos e aulas do componente, senti a potência da Psicologia enquanto atuação política em bases sociais que necessitam de cuidado. Compreendi que é possível praticar uma psicologia ativa, que não se prende (e nem deveria) ao modelo tradicional de setting terapêutico, que acaba sendo um serviço classista e, portanto, limitado.
Me senti muito animada encontrando novas formas de oferecer cuidado, e ao mesmo tempo frustrada visitando diferentes condições de realidades socioeconômicas, muitas vezes vulnerabilizadas em condições precárias. Isso ao mesmo tempo que me entristeceu me motivou a usar meu lugar de privilégio e acesso acadêmico para promover ações de reparo. Entendi a Saúde Coletiva Pública como um caminho possível de atuação profissional em prol da justiça social, e o verdadeiro sentido do cuidado só faz sentido quando implicado com direcionamentos políticos de respeito à coletividade.
Psicologia;Atenção-primária-à-saúde;Saúde-coletiva